terça-feira, março 14, 2006

Levantou-se, como noutro qualquer dia. Em gestos automáticos ritualizou a manhã. Num esquema mental planeou o dia e entrou no fervilhar da rua a transbordar vida.
Aquele dia sabia-lhe a tantos outros dias idos e trazia o travo de tantos ainda por vir.
Gostava de ficar a observar os rostos que passavam. Imaginar cada vida por trás de cada corpo. Esse exercício ajudava-a a pensar sobre si.
O sol batia-lhe agora nas costas e aquecia-lhe o corpo. Sentia-o. Sentia aquele corpo como uma limitação material de si. Definia-a. Aquele corpo finito pertencia-lhe.
Sentia-se bem. A ansiedade que a habitava parecia agora adormecida. Como uma anestesia que apazigua a dor.
O tempo que passava, aumentando a desconfiança, parecia-lhe já suficiente para derrubar silêncios incómodos.
Sabia que noutra situação seria diferente. Sentia que a barricada havia sido ela a erguê-la mas não tinha forças para a derrubar. A cada minuto a barreira crescia a olhos vistos.
Levantou-se, insegura, e mergulhou na rua, que fervia gente.

4 comentários:

franksy! disse...

me gusta [mucho] lo que escrebes!

miguel. disse...

Acho que vais gostar de ler os livros da ana teresa pereira...
posso recomendar-te alguns, que irias adorar...

ana marta disse...

Estou receptiva às recomendações literárias!

franzita, don't say that. "Fico sem jeito"

miguel. disse...

A linguagem dos pássaros
Até que a morte nos separe
O mar de gelo
Intimações de morte
O sentido da neve
Contos
Estes foram os que li e gostei, ela tem uma escrita parecida com a tua, as referencias literárias dela são muito boas e encontram-se nas obras dela, assim como as cinematográficas, eu pessoalmente sou um admirador compulsivo desta senhora...