segunda-feira, maio 25, 2009




No Tropical, por Jorge Vaz Nande, publicado n'A Cabra e retirado d' A Peste:


Aos Domingos, a porta de metal verde não se abre. Fica ali a descansar ou a fazer saudades a quem se acostumou a passar por ela de tal modo que já não sabe para onde mais ir. São quatro anos. Todos os dias, depois do almoço e depois de jantar, pelo menos um cappuccino por dia. Chegar lá, sentar-se, ouvir a ladainha do costume, cafés, cafés, quem quer cafés, era um cappuccino, sr. Madeira, Carlos, João, Ricardo, Filipe, Pedro, Ronald, era um cappuccino, se faz favor. Às vezes, nem é preciso dizer nada. Sento-me lá e deixo-me estar, as coisas não tem de ser automáticas, sentar, beber, ir embora, não, não tem de ser, peço depois. Sento-me lá e fico a olhar para tanta gente diferente, as mesas cheias, a rapariga de cabelo amadeixado de louro e argolas de aro que lhe enquadram a bochecha da cara, o actor de televisão e de teatro que toda a gente conhece mas que ali (cá entre nós?) é mais um, mesmo que alguém vá virando a cabeça de vez em quando para ver melhor e ter a certeza de que o homem também existe e é feito de carne e osso que morrem se uma bala os atravessar, os miúdos mais velhos do liceu lá ao lado, os músicos que dão concertos patrocinados pela Ruc no Tagv e que depois vão para a esplanada beber cervejas de pé, o homem moreno e de casaco de couro, cara de quem já viu muito, sabe-se lá o quê, se calhar até pode não ter visto nada de nada, mas quem vê caras não vê olhares e aquela é cara de quem já viu muito, o que é que se há-de fazer? Uma vez, uma amiga minha disse-me que não gostava do Tropical. Que demoravam muito a servir o café, que era demasiada gente, confusão a mais. Eu digo que há sítios feitos para matar necessidades e outros para que gostem deles. Como nunca compreendi as pessoas que correm demais de um lado para o outro, eu prefiro as coisas de que possa gostar. Não se passa pelo Tropical, está-se lá. Se o fizermos durante tempo suficiente, ele entra dentro de nós. A esplanada, que este ano ganhou um toldo; a parte de cima, que dantes era mais pequena e alargaram com uma plataforma há algum tempo; a de baixo, iluminada por aquelas enormes janelas que, de vez em quando, se se olhar da maneira certa, parecem um aquário do mundo, com as pessoas a nadar na luz do sol como peixes perdidos em caixas confusas. No Tropical, conheci mulheres, beijei-as, esqueci-me delas; no Tropical, terminei livros em tardes de Sábado; no Tropical, uma amiga chorou no cortejo da Queima, porque se lembrou de que ia voltar para Esposende no fim deste ano e, de repente, a pergunta lhe caiu em cima: onde vou tomar café agora? Tenho noção de que o Tropical é já bastante antigo, mas nunca soube exactamente a sua idade. Quando penso nisso, lembro-me dos Beatles ("there are places I'll remember all my life..."). E sorrio, porque a idade do Tropical, seja ela qual for, será sempre a nossa. Estejamos nós onde estivermos.



5 comentários:

Anónimo disse...

I see... mas é nossa tarefa procurarmos incessantemente o nosso Tropical onde quer que estejamos, pelo tempo que for preciso :)

E daí não, procurar não um Tropical mas outra coisa diferente para não ser um substituto.

Não sei, estou um bocado como o tempo hoje

ana marta disse...

Mas eu não quero substituto. Não quero outro senhor Madeira, até porque estes lugares e aquelas pessoas não se repetem! Não queria voltar para ficar mas volto lá muitas vezes, pela mão da minha memória! Não há outro Tropical nem outro tempo dele, senão o que passou!
Por falar nisso, espero ir lá beber um café em breve!

menina do mar disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
menina do mar disse...

sabes Martinha? já quis que o tempo voltasse atrás. hoje sei que o que torna os momentos únicos, especiais e insubstituíveis, é exactamente o facto de os mesmos não se voltarem a repetir! mas que as saudades são muitas! ah, se são!:)

(naba das nabas.. apaguei o comentário anterior sem querer...)

Anónimo disse...

E viver sempre olhando pelo retrovisor?