Era madrugada.
4 da manhã, suponho.
Desisti do rodopio
estéril que me faria dormir.
Levantei-me. Precisava
não sentir.
Vontade inglória essa, que as
palavras ditas pairavam por todo o lado.
De repente, com uma
nitidez cortante vi rostos de
outro tempo. Caras que passaram
sem deixar marca, como quase todas.
Senti a
irremediável verdade da
solidão que embala a nossa existência e o
vazio tornou-se esmagador de tão
verdadeiro.
Ao
caminho, àquele que se redefine a cada segundo,
que a cada momento passado foi um futuro possível a desvanecer-se, há quem lhe chame
vida.
Fica sempre a
dúvida de como tudo seria se tivesse sido diferente. Se o caminho tivesse sido outro,
se a variável da equação tivesse sido outra, proporcionando outro resultado.
Sós.
Querendo não estar. Obrigando-nos a ser felizes à força para não nos deixarmos
morrer no tédio de estar só,
conosco. O medo terrível do tempo que a solidão proporciona para nos pensarmos.
E preferimos
não estar a estar sós. Preferimos rodear-nos de
manequins inertes,
damas e cavalheiros de companhia aos quais
só temos que sorrir para nos sentirmos menos... sós.
Triste existência a nossa.
Como num moinho de água,
nas nossas mãos como pás,
escorre sempre gente cuja forma permanece a mesma. No fundo a sua passagem
indelével enche-nos os dias
para que o tédio seja apenas uma palavra.
Pelo caminho dão-nos também
golpes,
secos,
no estômago.
Desses guardamos a memória da forma do punho cerrado que um dia nos procurou.
Eu guardo
a marca que fica no corpo e gosto do travo metálico de sangue na boca.
Sempre ajuda a não esquecer o tempo que passou, que foi lá atrás.
Vontade de correr ao lado do tempo.
Ido.
Futuro.
De não permanecer aqui,
de não correr para trás,
de não alcançar o que está à frente.
Ficar.
Abraçar cada partícula e existir num vazio temporal que se prolongue no momento. E que tudo pare
e que eu não seja. Por oposição a mim.
Cimente-se então a mentira que nos tolda a vista e que nos põe um sorriso nos lábios.
Agarrêmo-nos então às "verdades nossas" em que habitamos.
Talvez o caminho seja mais rápido assim.
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"E a suprema glória
disto tudo, meu amor,
é pensar que talvez
isto não seja verdade,
nem eu o creio verdadeiro"
bernardo soares
(era 26 de Abril de 2006 e ainda sinto tudo como ali)